quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Repressão policial transforma protesto em batalha urbana em Teresina

No dia 6 de janeiro também houve ação da Polícia Militar| Breno Cavalcante/Especial/Sul21
Samir Oliveira
O centro de Teresina se transformou em campo de guerra na tarde desta terça-feira (10). De um lado, algumas centenas de estudantes que protestavam contra o aumento da passagem de ônibus de R$ 1,90 para R$ 2,10. Do outro, mais de 400 policiais militares munidos de bombas de gás lacrimogêneo, escudos, balas de borracha, cassetetes e sprays de pimenta.
Os manifestantes ocupavam uma das principais avenidas da capital do Piauí, a Frei Serafim, durante o sétimo dia de mobilizações desde que o prefeito Elmano Férrer (PTB) decretou o aumento da tarifa municipal de transporte público. A reação da Polícia Militar ao protesto foi violenta e as informações oficiais são vagas.
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Quando os policiais começaram a disparar bombas e tiros, os manifestantes dispersaram. Os que ficaram para trás iam sendo arrastados pelo asfalto quente pelos policiais. Os que conseguiram escapar se esconderam em estabelecimentos comerciais próximos à avenida.
Enquanto tentavam fugir das balas de borracha e das bombas de gás, alguns manifestantes relatavam no Twitter a situação. O estudante de História Leônidas Freire Júnior contava em tempo real os acontecimentos da tarde de terça.
Manifestantes em Teresina na terça-feira, 10 de janeiro.
Policial ataca manifestante com spray de pimenta na terça-feira | Foto: Leônidas Freire Júnior/Especial/Sul21
“Neste momento, um clima de medo. Cavalos, tiros, bombas e muitas prisões ilegais”, disse o estudante. Em seguida, ele e um amigo conseguiram se abrigar num supermercado. “Policiais dentro do Bom Preço caçando estudantes. Eu e um amigo tentando nos esconder e ir embora”, relatou.
Assim como Leônidas, outros manifestantes utilizaram as redes sociais para contar como foi a repressão policial ao protesto. Uma estudante disse que estava “surda” de um ouvido  por causa das bombas. Outro manifestante diz que os policiais estavam prendendo até quem não protestava. “Policiais invadem a Panificadora Modelo e prendem uma moça que sequer fazia parte do movimento”,  escreveu.
A ação truculenta da Polícia Militar do Piauí gerou reação por parte dos manifestantes. Enquanto avançava para retirar os estudantes da avenida Frei Serafim, policiais foram alvejados com diversos objetos e tiveram que recuar e abrir caminho para o pelotão de choque, que já aguardava na retaguarda. Depois da operação, estudantes prometiam “revidar”.
As informações sobre o saldo final do protesto são desencontradas. Os manifestantes afirmam que 17 estudantes foram presos e já estariam na Casa de Custódia, sujeitos a uma fiança de R$ 6 mil para serem libertados. Outros sites de notícia do Piauí informam que os detidos foram indiciados por desacato à autoridade, formação de quadrilha, resistência e obstrução da via pública.
Dentre os prisioneiros, que estão sendo qualificados de “presos políticos” pelos manifestantes, está a filha e o ex-marido de Lourdes Melo, ex-candidata do Partido da Causa Operária (PCO) ao governo do Piauí e à prefeitura de Teresina.
A reportagem do Sul21 passou a tarde inteira tentando contato com a Secretaria de Segurança Pública do Piauí e a com a Polícia Militar, mas não obteve retorno. Na secretaria, após repetidas tentativas, o telefone sequer chegou a ser atendido. Na PM, o telefone estava constantemente ocupado.
Confira imagens da TV Cidade Verde, retransmissora do SBT no Piauí, que mostram a repressão policial ao protesto de terça-feira.
“Não foi um confronto, foi um massacre”, denuncia estudante

O estudante de História da Universidade Federal do Piauí Leônidas Freire Júnior esteve no protesto de terça-feira (10) e conta como foi a ação da Polícia Militar. Ele conversou com oSul21 no final da tarde de quarta-feira (11), enquanto se dirigia à avenida Frei Serafim, no centro de Teresina, para engrossar o coro de manifestantes que já se encontravam no local.

Sul21 – Como foi o protesto de terça-feira (10)?
Leônidas Freire Júnior – Foi uma cena de brutalidade muito grande. Combinamos que o protesto seria pacífico, todos tinham velas na mão, em referência ao sétimo dia de manifestações. Um grupo ficaria em pé e deixaríamos os carros passarem. Mas a polícia impediu nossa passagem, então sentamos na avenida (Frei Serafim). O coronal da PM falou que tinha ordem de nos remover da avenida, e um advogado que estava conosco pediu uma ordem por escrito. Mas eles deram cinco minutos para que saíssemos e não quiseram nem saber. Ficamos sentados e quando a polícia viu que não iríamos sair, mandaram o pelotão de choque. Não foi um confronto, foi um massacre. Misturaram a tropa de choque com a cavalaria. Um policial caiu de um cavalo e o animal saiu em disparada no meio da avenida. Foi uma correria. Uma menina quebrou o nariz e quase perdeu a visão. Teve gente que ficou com estilhaço de bombas. Eu e um amigo fomos ameaçados por um policial e tivemos que fugir. A PM entrava nos supermercados e pegava qualquer um. Tivemos que nos esconder.

Sul21 – Quantos estudantes foram presos?
Leônidas – Foram 15 pessoas presas ontem. Os estudantes, réus primários, não estão tendo direito a habeas corpus e estão sendo encaminhados ao presídio. Estão ameaçando, inclusive, levar os detidos a um presídio de segurança máxima.

Sul21 – Tu não participaste do início dos protestos quarta-feira (11), há receio em ficar muito marcado pelos policiais?
Leônidas – Não participei no começo porque sofri ameaças, junto com um amigo. Tem muito policial à paisana infiltrado. E a gente fica participando das manifestações e nosso rosto fica marcado por eles. Por uma questão de segurança, é preciso recuar um pouco, trocar de camiseta constantemente, mudar o cabelo… Porque a perseguição é política mesmo. É ideológica.

Sul21 – E ainda há seguranças privados contratados pelo Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos de Passageiros de Teresina?
Leônidas – Ainda tem seguranças privados. Eles tentam disfarçar e se infiltrar e ameaçam os estudantes. Inclusive o primo do dono de uma empresa de transporte bateu nuns estudantes, com cobertura da PM. E uma promotora do Ministério Público Estadual entrou no caso apoiando a polícia.

Sul21 – A truculência da polícia também gera reações dos estudantes. Vimos nas imagens de terça que arremessaram objetos.
Leônidas – Os objetos tocados foram as velas que tínhamos nas mãos. Eu mesmo arremessei uma.

Sul21 – A repressão policial não desencadeará uma reação mais violenta por parte dos estudantes? Há coquetéis molotov nas manifestações?
Leônidas – Isso é uma incógnita. Tem a ala partidária que está mais calma e tem a ala anarquista, que entende que o Estado não quer negociar e que a única forma de agir é essa. Até agora ninguém jogou coquetel molotov. Eu já vi um, mas não foi utilizado. Nosso medo é algum estudante leve um tiro e morra. Só ontem mais de cinco deram entrada no hospital.

Sul21 – Qual o papel das redes sociais na organização do movimento?
Leônidas – As coisas estão sendo dinâmicas e espontâneas. Sabemos quais manifestantes estão com smartphone e onde estão. Eles observam a movimentação da polícia e assim vamos nos comunicando.

Sul21 – Como tu projetas que os protestos continuem daqui pra frente?
Leônidas – O poder público entende que com esse tipo de repressão iremos parar. Não sabemos o que vai acontecer, mas não vamos recuar. Agora não estamos em aula, mas se o movimento ficar até fevereiro, colocamos mais de 50 mil pessoas nas ruas.

Sul21 – E como está sendo a cobertura da mídia local sobre o assunto?
Leônidas – Quase toda mídia local está comprada. Há claras definições ideológicas, políticas e partidárias. Alguns portais, como o AZ e o 180 Graus, tentam dar um mínimo de imparcialidade à cobertura. Mas a maioria nos chama de vândalos e de vagabundos. Há uma propaganda muito forte na televisão, em programas populares, que dizem que temos mais é que apanhar. Dizem para os pais não mandarem seus filhos ao centro de Teresina, pois estaríamos usando drogas.

Fotógrafo de jornal local é agredido e censurado por policiais
Não foram só os manifestantes que tiveram que enfrentar a repressão truculenta da Polícia Militar do Piauí na tarde desta terça-feira (10). Profissionais da imprensa que cobriam ao protesto também foram intimidados, agredidos e até censurados pelos policiais.
Policia Militar do Piauí faz barreira no centro de Teresina - do twitter do Leônidas Freire Júnior @leonidasfreirejr
Polícia Militar montou barreira e logo em seguida foi em direção aos manifestantes | Foto: Leônidas Freire Júnior/Especial/Sul21
O repórter Cícero Portela, do jornal O Dia, relatou ter sido agredido por supostos policiais à paisana nas imediações da avenida Frei Serafim, no centro de Teresina. Ele se retirava do local após registrar imagens de agressões a manifestantes quando foi cercado por dez homens vestindo camisetas pretas – os mesmos que foram flagrados pelo jornalista agredindo um manifestante.
O repórter conta que retiraram a máquina fotográfica das suas mãos, sob a alegação de que as imagens feitas poderiam prejudicar os envolvidos. Quando tentou argumentar, um dos agressores ameaçou danificar a câmera.
Enquanto um dos supostos policiais dizia para o jornalista “vazar”, outro questionava: “Esse aí não vai ser preso, não?”. De acordo com Cícero, toda a ação foi observada por dois policiais militares com a farda da Rondas Ostensivas de Natureza Especial (Rone),  que não fizeram nada para evitar que lhe roubassem o cartão de memória da máquina fotográfica.
O repórter registrou Boletim de Ocorrência no 1º Distrito Policial e o Sindicato dos Jornalistas do Piauí divulgou uma nota condenando as ações truculentas contra os profissionais da imprensa.
Policial militar lamenta estar de folga e não poder reprimir manifesantes
Na terça-feira (10), dia de maior repressão policial aos protestos estudantis contra aumento da passagem em Teresina, um integrante da Rondas Ostensivas de Natureza Especial (Rone) lamentou em sua página no Facebook que estava de folga. Enquanto seus colegas de farda arrastavam estudantes pelo asfalto, Gilberto Carlos de Souza se queixava de não poder estar “botando pra quebrar”.
Estudante ferido com balas de borracha durante protesto em Teresina
Manifestante teve a perna alvejada por balas de borracha na terça-feira | Foto: Leônidas Freire Júnior/Especial/Sul21
O policial escreveu, literalmente:  “QUE DROGA, JUSTO HOJE QUE ME DERAM FOLGA , A TROPA DE CHOQUE BOTOU PRA QUEBRAR , MOSTROU PRA QUE VEIO, BOTOU VAGABUNDO PRA CORRER , PRENDEU VÂNDALOS E ANARQUISTAS , BELEZA , A POPULAÇÃO QUE SOFREU POR CONTAS DESSES VÂNDALOS, AGRADECE , VALEW MESMO!!!!”.
Depois que o portal 180 Graus divulgou um print screen com a postagem, Gilberto Souza retirou o comentário do seu perfil. Mas a página do policial no Facebook está recheada de declarações que demonstram as posições truculentas do PM.
Numa das manifestações, ele compartilha uma foto do Capitão Nascimento, conhecido personagem do filme Tropa de Elite, com os dizeres (incluindo os erros de português): “Capitão Nascimento eh extritamente contra a pena de morte. Ele diz que não devemos ter pena de matar os bandidos!”.
Ônibus foi depredado em local longe dos protestos
Relatos da imprensa local de Teresina dão conta de que um ônibus foi apedrejado por sete jovens nesta terça-feira (10), em um local distante do centro, onde ocorreram os protestos contra o aumento na passagem. O motorista do veículo da empresa Transcol, Daniel Macedo, conta que por volta das 19h os jovens quebraram o pára-brisa e apedrejaram a lateral do ônibus, que estava parado no semáforo.
Macedo afirma que havia 20 passageiros dentro do veículo e todos, inclusive o próprio motorista, saíram correndo quando o ataque começou. Toda a ação teria durado, no máximo, dois minutos, e os jovens deixaram o local a pé.
O motorista prestou queixa no 1º Distrito Policial.

Protestos seguiram acontecendo na quarta-feira
Depois de um dia de repressão violenta, manifestantes voltaram a ocupar o centro de Teresina para protestar contra o aumento da passagem de ônibus, que passou de R$ 1,90 para R$ 2,10 no início do ano. Na tarde desta quarta-feira (11), o oitavo dia dos protestos, cerca de 1.500 estudantes ocuparam novamente a avenida Frei Serafim.
O aluno de História da Universidade Estadual do Piauí, Breno Cavalcante,  falou com o Sul21direto da mobilização e conta que o efetivo policial estava igual ao de terça, mas que até as 17h os estudantes ainda não haviam recebido ordem de desocupar a avenida.
Ele comenta que, após a violenta repressão de terça,  os manifestantes estão preparados para reagir caso a polícia inicie um confronto.  “A galera está indignada e irá reagir”, garante.
Durante toda a tarde, os jovens se organizavam e trocavam informações pelo Twitter, através das hashtags #contraoaumentothe e #massacreteresina. Confira abaixo algumas manifestações feitas pelas redes sociais.
“Em Teresina-PI, o prefeito acha normal pessoas quebradas, mas ônibus quebrados é inaceitável.”
“Não consigo conter as lágrimas… Elas descem em um fluxo contínuo. É revoltante saber quem deveria manter a ordem é que gera o sofrimento.”

“Ditadura, Coronelismo, Clientelismo, Politicagem… cadê a galera do Ensino Médio pra aprender história na prática?!”

“O PM na Cidade Verde agora dizendo que só agiram porque foram atacados. Atacados com ideias, só se for. “
“500 policiais podem contra 30 estudantes. Quero ver eles irem contra 3.000 logo mais.”
“Muito feliz em ver minha cidade acordar. Chega do Coronelismo da prefeitura, vamos à luta! É, minha gente, polícia é pra proteger o patrimônio de quem interessa, não o povo.”

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