segunda-feira, 11 de abril de 2011

Transporte coletivo de Curitiba: Sistema está bem longe do “azul”

Serviço que serviu de inspiração para outros países deve ir além da funcionalidade e precisa de muito mais que um ônibus novo para evitar o colapso


O discurso do poder público de que o transporte coletivo de Curitiba é o melhor da América Latina não passa mais credibilidade como antes. Com base em pesquisas de campo, especialistas não têm medo de afirmar que o sistema não é tão bom quanto o que é vendido pela prefeitura, que recentemente lançou o Mega BRT, o maior ônibus do mundo. Conhecido como Azulão, ele tem 28 metros de comprimento, 2,5 metros de largura e capacidade para transportar 250 passageiros. Com menos paradas e uma tecnologia que permite abrir os semáforos, o Azulão reduz quase pela metade o tempo de viagem das linhas Pinheirinho e Boqueirão.

Para alguns especialistas, ele é apenas um tapa-buraco de um sistema cada vez mais defasado. Para outros, nem tanto. “O Azulão, mais do que uma salvação, é uma novidade. Desde o início da circulação dos ligeirinhos, com as paradas nas estações-tubo, em 1991, não víamos nada de novo nessas linhas”, diz o engenheiro civil Roberto Ghidini, autor da tese de doutorado “A dinâmica territorial em torno do transporte público e suas interrelações – Estudos sobre o metrô de Madri e a RIT em Curitiba”, a ser apresentada à Escola Superior de Arquitetura da Universidade Politécnica de Madrid, na Espanha.

O ônibus azul é um blefe a mais, na opinião do engenheiro mecânico João Carlos Cascaes, ex-diretor de Planejamento e Engenharia da Urbanização Curitiba S/A (Urbs). “Não é solução. O desempenho poderá ser bom em circuitos especiais, mas e no resto da cidade? Pior ainda, planejaram o metrô no circuito Norte-Sul sob a canaleta. Imaginou o caos a ser criado durante as obras? Erraram demais. Para complicar mais ainda, tivemos um edital assinado recentemente outorgando concessões que serão entraves na otimização do sistema”, afirma.

Verdade de fora

Enquanto o sistema de Curitiba apostou tudo no chamado Bus Rapid Transit (Trânsito Rápido de Ônibus, em livre tradução), veículos articulados ou biarticulados trafegando em canaletas específicas ou em vias elevadas, outras cidades do mundo investiram em modelos diferentes ou aperfeiçoaram o BRT. Na América Latina, os sistemas mais famosos são da Transmilenio, em Bogotá, na Colômbia, e o da Transantiago, de Santiago, no Chile, ambos BRT. No caso de Santiago, a tarifa é integrada com o sistema de ônibus local e com o metrô, o que dá mais mobilidade ao passageiro. Em Bogotá, a capacidade de transporte e a velocidade média são maiores do que as da capital paranaense.

O professor do mestrado em Transportes do Instituto Militar de Engenharia (IME) e da Fundação Getulio Vargas, Marcus Quintella, afirma que na Europa, por exemplo, existe o consenso de que o transporte público é a forma mais rápida, eficiente e econômica para a locomoção de massa nos centros urbanos. O termo transporte público abrange os metrôs, trens suburbanos, regionais e de alta velocidade, ônibus urbanos, táxis e veículos leves sobre trilhos (VLTs).

“Em termos tecnológicos, os benefícios para os usuários do transporte público são cada vez mais sofisticados e evidentes, desde a estrutura física dos veículos, passando pelo gerenciamento de frotas por satélite, até o controle sistêmico do trânsito nas vias urbanas”, diz Quintella. Nas capitais europeias, 70% das pessoas usam o transporte público para o trajeto casa-trabalho-casa, independentemente da classe social, pois não há outra opção mais racional e econômica.

Ghidini destaca o sistema de Barcelona. “Os deslocamentos diários são da ordem de 7 milhões de viagens, sendo 44% em transporte público, 22% a pé ou em bicicleta e 34% em veículo privado. O metrô é composto por linhas de empresa pública e privadas, assim como os ônibus. A coordenação é feita pela Autoritat del Transport Metropolità de Barcelona, que atua como um consórcio e que promove a integração modal e tarifária. Em 2007, iniciou a operação do Bicing sistema de locação de bicicletas, igualmente integrado ao sistema. Seguem inovando, melhorando em termos de cobertura espacial, de bilhetagem. Acho que este sistema poderia ser aplicado a Curitiba”, afirma.

Opinião

Lições para Curitiba aprender

Há uma semana estive em Lima, no Peru, para ministrar um curso de jornalismo investigativo. Num dos deslocamentos urbanos, puxei conversa com um taxista para me inteirar das eleições locais. Ele tratou logo de inverter o rumo da prosa. Queria saber sobre o Brasil, pois tinha particular interesse por duas cidades: Rio de Janeiro e Curitiba. Quanto ao Rio, muito compreensível; mas, e Curitiba? Pela fama de ser bem organizada e por ter um sistema de transporte que os peruanos pretendem implantar na capital.

Curitiba fez bem o seu marketing, mas está ficando para trás em inovação. Há um ano estive em Bogotá e constatei a eficiência do TransMilenio, sistema inspirado na capital paranaense. A vantagem da capital colombiana é que lá a prioridade é dos ônibus, não dos carros. Eles também têm uma boa malha de ciclovias. Uma prova de que precisamos aprender com quem aprendeu com a gente.

Outra comparação inevitável é com Barcelona. Sou um contumaz usuário de ônibus em Curitiba (em duas linhas bem tranquilas, diga-se) e fui passageiro temporário na cidade catalã. Durante uma semana eu e minha mulher, Simone, andamos de um lado a outro de Barcelona só usando ônibus e metrô, que são interligados. Não se trata de impressão de turista. O sistema de transporte público, que inclui ainda aluguel de bicicletas, é tão eficiente que convenceu a maioria dos barceloneses a deixar o carro em casa.

A lição que nos dão Bogotá e Barcelona é que não podemos ficar reféns de um único modal de transporte. Se o sistema for eficiente e diversificado, a maioria dos curitibanos também vai deixar o carro na garagem. Se Curitiba não se reinventar, poderá deixar ir por água abaixo a imagem que construiu mundo afora.

Mauri König, jornalista

Fonte: Gazeta do Povo 

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